Bisfenol A: Governo brasileiro ignora o perigo. Vamos deixar nos matar?

29/03/2011 00:07

Bisfenol em Garrafas PlásticasHá meses queria escrever sobre este assunto, mas devido a demora de nosso incompetente Ministério da Saúde em responder a minha solicitação de esclarecimento sobre o assunto, apenas agora estou podendo fazê-lo. Após pesquisar sobre o assunto, eu tentei obter, através dos canais apropriados, a posição do governo brasileiro em relação ao Bisfenol. A resposta recebida, que você pode ler mais abaixo, mostra a séria situação que nos encontramos, onde os órgãos públicos que deveriam regular o uso de produtos químicos tóxicos acabam protegendo o lobby das indústrias químicas e de alimentos.

Antes de mais nada, vamos esclarecer o que é o Bisfenol e porque ele apresenta um sério risco a saúde.

O que é o Bisfenol A?

O Bisfenol A, também conhecido como BPA é um composto utilizado na fabricação de plásticos policarbonatos e resinas epóxi. Ele foi sintetizado pela primeira vez no final do século 19 e foi conhecido como um imitador do estrogênio (hormônio feminino) desde a década de 1930. Plásticos a base de BPA apareceram no mercado no final dos anos 1950. Um milhão de toneladas de BPA foram produzidas em 1980 e 2,2 milhões de toneladas foram produzidas em 2008.

BPA é um disruptor do sistema endócrino que imita o estrogênio. Ele está relacionado com o câncer de mama, diminuição da testosterona, e com o desequilíbrio do nível hormonal, entre uma série de outros males para o corpo humano. Os efeitos mais nocivos do BPA são para os fetos, bebês e crianças pequenas, o que é bastante preocupante, pois eles são os mais expostos. Estudos têm ligado o BPA ao aumento do risco dos seguintes problemas:

- Câncer
- A obesidade e doenças associadas, como diabetes
- Problemas neurológicos
- Confusão dos receptores hormonais da tireóide
- Problemas do coração (como arritmia e batimento cardíaco irregular)
- Dificuldades de fertilidade/sexualidade e alterações do DNA.

Os seres humanos normalmente ingerem BPA das embalagens de alimentos e bebidas que liberam BPA, especialmente quando aquecidos. Um estudo de 2004 do CDCencontrou BPA em 93% das 2.517 amostras de urina de pessoas de seis anos ou mais. Em nosso mundo de plástico e reciclagem dominante, é importante entender onde existe BPA.

Os códigos de identificação da resina (RIC) foram definidos em 1988 para identificar os tipos de polímeros plásticos para reciclagem. No Brasil a norma ABNT NBR 13230 dita os códigos a serem utilizados em produtos recicláveis. RICs números 1, 2, 4, 5 e 6 não contém BPA, embora RICs números 1 e 6 não são recomendados para consumo humano de forma repetida. RIC número 7 é uma categoria abrangente que frequentemente contém BPA. Se os plásticos devem ser utilizados para consumo de alimentos e bebidas, não se esqueça de usar o seguintes tipos:
- RIC 2 - PEAD (polietileno de alta densidade),
- RIC 4 - PEBD (polietileno de baixa densidade), ou
- RIC 5 - PP (polipropileno) recipientes de plástico reciclado.

No entanto, este artigo científico de 2008 mostra que no Brasil apenas 80% das embalagens mostrava o código de identificação, enquanto que até 40% continham o código incorreto.

Resinas epóxi contendo BPA são encontrados no revestimento do interior da maioria das latas de alimentos e bebidas. O BPA tem sido usado como fungicida, e também é encontrado no papel de recibo de vendas (papel térmico) e tubos de água. plásticos de policarbonato são claros e à prova de estilhaçamento. Exemplos de policarbonatos utilizados na vida cotidiana incluem:

- Garrafas de água , mamadeiras e chupetas
- Equipamentos esportivos
- Dispositivos médicos e odontológicos
- Produtos para obturação dentária e selantes
- Lentes de óculos
- PVC
- CDs e DVDs
- Eletrodomésticos

Algumas opções para limitar a exposição ao BPA, especialmente às crianças, incluem:

- Não usar plástico policarbonato no microondas (normalmente RIC código 7)
- Não ingerir alimentos ou bebidas em lata
- Usar recipientes de vidro, porcelana, ou de aço inoxidável, especialmente para alimentos e bebidas quentes.
- Usar mamadeiras, chupetas e garrafas de água sem BPA. No Brasil você pode encontrar as seguintes marcas sem BPA: Avent, Mam e Kuka.

Apenas evitando plásticos contendo BPA já diminui os riscos associados. Um passo adiante, se informando sobre o BPA e seus efeitos negativos lhe dará o entendimento do porquê o BPA é prejudicial. Tomar decisões conscientes e informadas sobre o BPApara evitar o uso de plástico e irá beneficiar a saúde humana eo meio ambiente. Seus filhos e familiares agradecem.

Solicitação de esclarecimento para a Anvisa e a resposta

Como mencionei no início do artigo, eu enviei a seguinte solicitação de esclarecimento para a Anvisa:

Gostaria de saber qual é a posição da Anvisa e do Ministério da Saúde
quanto a liberação do uso do componente Bisfenol A na produção de
garrafas plásticas, mamadeiras e também para resinas odontológicas.
Este produto é conhecidamente tóxico, e está ligado a graves problemas
de saúde. O Bisfenol A já foi proibido no Canadá e Austrália,
ediversos outros países estão planejando bani-lo.

Alguns estudos e notícias sobre o assunto:

- Telegraph: Bisphenol-A now linked to male infertility
https://www.telegraph.co.uk/health/healthnews/8093585/Bisphenol-A-now-linked-to-male-infertility.html

- TIME: Health: Canada Declares BPA Toxic. Is the U.S. Next?Read more:
https://ecocentric.blogs.time.com/2010/10/14/health-canada-declares-bpa-toxic-is-the-u-s-next/#ixzz14JP1v7Cn

- Endocrine disruptors and dental materials: health implications
associated with their use in Brazil
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2002000200015&script=sci_arttext

E a seguir a resposta da Anvisa, recebida depois de 6 meses:

Parecer Final: Prezado Senhor,

Informamos que esta Agência tem acompanhado as discussões internacionais a respeito do risco de produtos com BPA que entram em contato com alimentos, dentre estes a Mamadeira (Recipiente).

A partir das discussões, algumas instituições iniciaram estudos e revisões bibliográficas acerca da exposição do homem ao BPA, tendo algumas destas se manifestado oficialmente a respeito do assunto.

Entretanto, à luz das incertezas sobre a possibilidade de eventos adversos de baixas doses de BPA à saúde humana, especialmente sobre o sistema reprodutivo, sistema nervoso e para o desenvolvimento comportamental; e considerando a exposição ao BPA relativamente mais alta em crianças em comparação aos adultos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) organizaram uma reunião com consultores/peritos ad hoc para avaliar a segurança do BPA, em novembro de 2010.

O resumo do relatório final foi publicado, sendo disponibilizado no link: https://www.who.int/foodsafety/chem/chemicals/BPA_Summary2010.pdf. Neste, os especialistas concluíram que estabelecer um nível de exposição "seguro" para BPA continua a ser dificultada pela falta de dados de estudos experimentais em animais apropriados para avaliação de risco. Além disto, são destacados os seguintes aspectos: a) para muitos dos desfechos estudados, a exposição ao BPA é muito inferior aos níveis que causariam preocupações; b) estudos de toxicidade no desenvolvimento e reprodução, nos quais são avaliados os desfechos convencionais, somente apresentam problemas em doses elevadas, quando o fazem; c) alguns poucos estudos mostraram associação de desfechos emergentes (como desenvolvimento neurológico específico ao sexo, ansiedade, mudanças preneoplásticas nas glândulas mamárias e próstata de ratos e parâmetros visuais do esperma) com doses mais baixas de BPA.

Ainda, acrescenta que, considerando a incerteza relacionada à validade e relevância destas observações, referentes a baixas doses de BPA, seria prematuro concluir que estas avaliações fornecem uma estimativa realista do risco a saúde humana. Entretanto, estes dados devem direcionar pesquisas futuras com o objetivo de reduzir estas incertezas. Por fim, o grupo afirma que, no presente, não há um substituto único para o BPA em todas as aplicações que envolvem contato com alimentos. Apesar de haver alternativas para substituição do BPA, estas também deverão ser avaliadas quanto à funcionalidade e segurança utilizando-se do estado da arte no conhecimento e metodologias científicas.

Assim, considerando as incertezas existentes a respeito do assunto, frente à análise do risco para saúde humana relacionado à exposição ao BPA contido em materiais que entram em contato com alimentos, e o posicionamento da Organização Mundial da Saúde de novembro de 2010, esta ANVISA informa que está acompanhando as discussões, nacionais e internacionais, assim como está avaliando as informações disponibilizadas pelas instituições a respeito dos efeitos do Bisfenol A utilizado em produtos que entram em contato com alimentos. E, caso haja comprovação científica da ocorrência de eventos tóxicos no organismo humano em virtude da exposição aos produtos que contém Bisfenol A, evidenciado o risco efetivo destes produtos, esta Agência tomará as providências cabíveis, dentro de sua competência.

Atenciosamente,

GERÊNCIA DE TECNOLOGIA DE MATERIAIS DE USO EM SAÚDE

GEMAT/GGTPS

Pode-se ver na resposta o uso típico do "double-talk", onde tenta-se menosprezar a importância e relevância dos estudos feitos que mostram o perigo do Bisfenol. Mais uma vez o Brasil se dobra diante de um estudo da OMS que ignora as questões sérias sobre o assunto. Como podem questionar a validade destes estudos que mostram os malefícios do bisfenol? Porque então não se investe em estudos realmente independentes que poderiam tirar a limpo esta questão?

Como assim dizem que não há substituto? Como então o Japão proibiu o uso de BPAem latas de bebidas e o Canadá, a Dinamarca e a Costa Rica baniram o uso do BPA? Parece que alguém na Anvisa precisa realmente se informar um pouco mais.

Ficamos literalmente "na mão", devido a órgãos inoperantes e e incompetentes,  que deixam nossa população a mercê de corporações corruptas onde o lucro é mais importante que a vida das pessoas.

A Lenda: Como um cidadão é completamente ignorado pelos canais de comunicação do governo

Achei relevante colocar aqui a minha saga enquanto tentava obter estas informações, que segue abaixo.
Isto foi em outubro, mais de 7 meses atrás. Após enviar um pedido de esclarecimento através da ouvidoria do Ministério da Saúde, foi orientado a contactar diretamente o órgão responsável:

A resposta ao seu questionamento necessita de um posicionamento da área técnica responsável pelo assunto (GGTPS).
Entretanto, temporariamente, as áreas da Gerência Geral de Tecnologia em Produtos para à Saúde (GGTPS) não estão respondendo ao usuário via Central de Atendimento.
Dessa forma, favor entrar em contato diretamente com a área, por meio do seguinte e-mail tecnologia.produtos@anvisa.gov.br

Fiz o que foi recomendado e enviei meu pedido diretamente para a GGTPS, que me respondeu informando que:

o assunto em tela não é de responsabilidade regimental desta Gerência Geral de Tecnologia de Produtos para a Saúde – GGTPS... Sugerimos então o envio de seu questionamento para a Gerência Geral de Alimentos - GGALI pelo e-mail alimentos@anvisa.gov.br

Após enviar a mesma pergunta para o email fornecido jamais obtive nenhuma resposta.
Contactei novamente um contato que tenho na ouvidoria, e informei a ela a minha situação, e como estava completamente frustrado. Ela criou uma nova solicitação pedindo uma resposta.

No dia 8 de março deste ano, após 6 longos meses de espera, registrei uma nova reclamação na ouvidoria da Anvisa, explicando a minha saga e pedindo a resposta o mais rápido possível. Finalmente no dia 25 de março obtive uma resposta (veja mais acima), não exatamente a que queríamos ouvir, mas pelo menos tive obtivemos uma resposta. Detalhe: quem respondeu a demanda da ouvidoria foi o próprio GGTPS, que havia dito que não era de sua responsabilidade.

Boicote os produtos com BPA e ajude a divulgar estas informações. Apenas com uma movimentação da sociedade é que conseguiremos com que a Anvisa trabalhe de forma séria.

Fonte: https://www.anovaordemmundial.com/